A garota que transborda amor pelos olhos

Ainda me lembro do dia em que minha mãe anunciou ao meu pai que estava grávida. Eu realmente não sei o que estava passando pela cabeça deles mas para mim aquele momento foi um grande marco. Eu tinha seis anos e não conseguia entender o impacto de um bebê na minha vida.

Acompanhei todas as consultas de pré-natal da minha mãe. Eles foram um momento muito feliz para mim porque a gravidez da mamãe finalmente nos uniu. A gravidez dela nos fez amigas novamente compartilhando os bons e maus momentos. De manhã eu pudia ouvir os batimentos cardíacos do bebê no consultório do médico e, algumas horas depois, ficar ao lado da minha mãe no banheiro quando ela vomitava todo o jantar. Foi assim que percebi desde cedo que a vida tem seus altos e baixos.

Havia um jardim na entrada do consultório médico. Eu nem sempre conseguia acompanhar todos os exames da mamãe, então eu costumava esperá-la na sala de espera. Para minha sorte, havia uma grande janela que me permitia ver uma profusão de pequenas flores neste enorme jardim. Flores de todos os tamanhos e de todas as cores. Às vezes eu tentava contar quantas flores novas o jardim havia ganhado desde a minha última visita, mas na maioria das vezes aquelas florzinhas serviam de inspiração, guiavam meus pensamentos. Ao olhar para elas eu imaginava como seria aquele bebê dentro da barriga da minha mãe, se o bebê se tornaria meu amigo, se o bebê iria gostar dos meus brinquedos, se o bebê iria gostar de mim.

No dia 20 de abril de 1985, cheguei naquele hospital como quem chega para um show do Pearl Jam. Cheguei com a certeza de que algo extraordinário me esperava. Minha menina havia chegado ao mundo através de uma cesariana no final do dia.

Fiquei em frente à janela do berçário e vi um pequeno jardim onde bebês de várias cores estavam espalhados em vários berços. Mas eu estava olhando para uma florzinha em particular, minha irmã. Ela se contorcia como quem acaba de acordar ou como quem estava aprendendo a nova dimensão do espaço que teria a partir daquele momento. A vida no casulo tinha acabado. E foi ai que o momento mais lindo aconteceu: Minha irmã vira o rostinho rosado para a janela da maternidade e abre os olhinhos. E a primeira pessoa que ela viu neste mundo fui eu.

Quando seus olhinhos olharam para os meus quase pude ouvi-los dizer “oi, não se preocupe, eu já gosto de você”.

Passei nove meses imaginando como seria aquele bebê, se seria um menino ou uma menina, se seria gordo ou magro, branco ou preto, careca ou peludo. Mas nunca imaginei que minha irmã teria olhos tão lindos e que transbordariam tanto amor para mim em uma fracao de segundos.

É tão bom para mim guardar esta memória do nascimento da minha irmã. É uma lembrança que aquece meu coração, que dá sentido a tudo que vivemos. O nascimento da minha irmã foi o aprendizado mais lindo sobre como nasce o amor. Minha irmã é mais do que uma pessoa que compartilha o seu DNA comigo. Eu compartilho minha história com ela. Ela é minha companheira em tantos acontecimentos, minha filha em tantos cuidados e minha mãe em tantos abraços.

De onde vem tanto amor? E em que se transformará todo esse amor que sentimos uma pela outra quando nós duas não estivermos mais aqui? Não sei o que acontecerá após a nossa morte, mas gostaria que nosso amor se transformasse em energia, em luz e que, esgotado nosso tempo no Universo, ele voltasse à Terra e se transformasse em pequenas flores coloridas espalhadas pela grama que, sem querer, poderão inspirar os pensamentos de alguém.

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